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Qual o risco associado à toma concomitante de produtos à base de plantas e anticoagulantes orais?

  • Breves Questões Terapêuticas
23 Abril 2025
Qual o risco associado à toma concomitante de produtos à base de plantas e anticoagulantes orais?

 
- Diversas interações farmacocinéticas e farmacodinâmicas podem influenciar a eficácia e segurança dos anticoagulantes orais (ACO).

É necessária precaução e vigilância adicional durante a toma simultânea de ACO e produtos à base de plantas. 

- É fundamental a educação dos utentes sobre os riscos de possíveis interações.

Os ACO são uma classe terapêutica que se encontra indicada numa ampla variedade de condições clínicas1,2 desde a prevenção do acidente vascular isquémico e doenças tromboembólicas, ao tratamento da trombose venosa profunda e embolia pulmonar.1


A
varfarina, o antagonista da vitamina K (AVK) mais utilizado, atua através da inibição da epóxido redutase da vitamina K, essencial para a sua ativação, o que reduz a síntese de diversas proteínas dependentes desta vitamina,1-3 como os fatores de coagulação II, VII, IX e X, bem como das proteínas C e S.3 Devido à sua estreita margem terapêutica, variabilidade de resposta interindividual e risco conhecido de interações com alimentos, suplementos, produtos à base de plantas e outros medicamentos,4 é necessária uma monitorização regular dos valores da Razão Normalizada Internacional, também denominado de INR (International Normalized Ratio) e eventuais ajustes de dose para o seu uso seguro e eficaz.1,3


Por sua vez, os
anticoagulantes orais diretos (DOAC), ao bloquearem seletivamente fatores-chave na cascata da coagulação, apresentam um efeito anticoagulante mais previsível e estável,1,2,4-6 sem necessidade de uma monitorização laboratorial rotineira,1,2,5,6 demonstrando ser, em diversas condições clínicas, uma alternativa conveniente e segura aos AVK.2,5,6


Apesar de não se encontrarem atualmente disponíveis evidências científicas concretas sobre o risco inerente da sua toma em conjunto com alimentos e produtos à base de plantas,
1-3,6 é importante salientar que os níveis plasmáticos dos DOAC podem ser afetados pela coadministração de substâncias que interfiram com o transportador de efluxo glicoproteína P (gp-P) e/ou o citocromo P450 (CYP450) e as suas isoformas,1,2,6 pelo que possíveis variações farmacocinéticas secundárias a interações com estes produtos não deverão ser desvalorizadas.1,4-6


As interações que afetam os ACO, quer sejam farmacocinéticas ou farmacodinâmicas, podem colocar em
risco a segurança do doente, ao intensificar o seu efeito anticoagulante, aumentando o risco de hemorragias, ou diminuindo a eficácia do tratamento.2,3 Há ainda que ter presente que certos alimentos e produtos à base de plantas podem ter o potencial de afetar a atividade plaquetária.3


Devido ao seu metabolismo complexo em múltiplas etapas, a grande maioria das interações com a
varfarina é mediada pelas isoenzimas CYP2C9, CYP1A2, CYP2C19 e CYP3A4.1,2 Os inibidores e indutores destas enzimas afetam a atividade farmacológica da varfarina e, consequentemente, os valores do INR.1 São assim descritas algumas interações entre alimentos e produtos à base de plantas e varfarina (lista não exaustiva):


Toranja.
Os componentes da toranja e do sumo, principalmente as furanocumarinas, inibem a atividade do CYP3A4.1-3 Contudo, foram apenas reportados escassos casos de elevação do INR e/ou aparecimento de pequenos hematomas.1


Arando vermelho.
Relatos de caso documentaram o aumento do INR e da incidência de hemorragia devido à ingestão de sumo de arando vermelho por utentes a tomar varfarina.1,3 Alguns estudos in vitro, em animais e pequenos estudos clínicos sugerem que o sumo de arando vermelho altera a atividade do CYP2C9 e do CYP3A4.1,3


Soja.
Os extratos de soja mostraram inibir, in vitro, o CYP3A4 e o CYP2C9. Adicionalmente, possuem quantidades significativas de vitamina K na sua composição, o que pode também comprometer a atividade anticoagulante da varfarina.1


Camomila (Matricaria chamomilla).
Estudos in vitro demonstraram inibição do CYP1A2 e, em menor extensão, do CYP3A4 e do CYP2C9, podendo conduzir, potencialmente, a um aumento do risco hemorrágico.1


Erva de São João/Hipericão (Hypericum perforatum).
Possui atividade indutora do CYP1A2, CYP2C9 e do CYP3A4, resultando num aumento da depuração e redução da concentração plasmática de varfarina.1,3 O seu uso a longo prazo pode resultar numa redução clinicamente significativa dos efeitos farmacológicos da varfarina, pelo que deverá ser evitada.1,3


Ginkgo biloba. Estudos in vitro demostraram potente atividade inibidora do CYP2C9.1 Os ginkgolídeos - principais componentes químicos do Ginkgo biloba, têm propriedades antiplaquetárias.1,3 Deste modo, o seu uso concomitante com varfarina, pode resultar num maior efeito anticoagulante e, consequentemente, um risco aumentado para hemorragias.1


Ginseng
. Os maiores componentes ativos do ginseng – ginsenósidos, inibem o CYP1A2,1 a agregação plaquetária e a formação do tromboxano.1,3 Alguns estudos sugerem que o ginseng poderá aumentar ligeiramente o efeito anticoagulante da varfarina.1


No que concerne aos DOAC, estes podem atuar como
inibidores diretos da trombina, como o dabigatrano etexilato, ou como inibidores diretos do fator Xa, como o rivaroxabano, o apixabano e o edoxabano.5,6


Em relação ao dabigatrano, este não é metabolizado pelas enzimas do CYP450, pelo que o seu potencial para interações clinicamente relevantes com produtos metabolizados pelo CYP450 é reduzido; porém, é substrato para a gp-P.1,2 O apixabano e o rivaroxabano são ambos substratos para o CYP3A4 e para os transportadores da gp-P.1,2,5 Por sua vez, o metabolismo do edoxabano é também amplamente afetado pelos inibidores ou indutores da gp-P.1,2,5

Assim, com base na sua ação sobre a gp-P e CYP450 e atividade antiplaquetária, os seguintes produtos à base de plantas apresentam potencial para interagir com os DOAC (lista não exaustiva):


Erva de São João/Hipericão (Hypericum perforatum). Forte indutor do CYP3A4 e da gp-P,1-6 sendo expetável a diminuição das concentrações plasmáticas do dabigatrano, rivaroxabano e apixabano.2,6 A coadministração deve ser feita com precaução no caso do apixabano e edoxabano, e evitada com rivaroxabano e dabigatrano, conforme recomendam diretrizes internacionais e a European Heart Rhythm Association (EHRA).3,6


Ginkgo biloba. Inibidor do CYP3A45 e da gp-P.1,4-6 Aumenta, potencialmente, o risco hemorrágico quando tomado concomitantemente com todos os DOAC.5 Apresenta ainda efeito antiplaquetário.4,5


Ginseng
.
Adicionalmente à sua ação inibidora do CYP3A4,5 apresenta atividade antiplaquetária.3-6 Poderá potencialmente aumentar a concentração plasmática do rivaroxabano, apixabano e edoxabano, e também aumentar o risco de hemorragia devido à sua atividade antiplaquetária, quando usado concomitantemente com qualquer DOAC.5


Berberina.
Inibidor do CYP3A45 e da gp-P,1,5,6 podendo aumentar a concentração plasmática de todos os DOAC.5


Gengibre.
Inibidor do CYP3A4 e da gp-P,1,6 apresentando atividade antiplaquetária.4,6 Condiciona potencial aumento da concentração plasmática de todos os DOAC e do risco de hemorragia.3,5 A EHRA recomenda precaução no consumo de produtos que contenham gengibre por indivíduos a tomar DOAC.3,6


Camomila (Matricaria chamomilla).
Inibidor do CYP3A4 e da gp-P, apresenta também atividade antiplaquetária. Poderá potencialmente aumentar o risco hemorrágico quando usado concomitantemente com todos os DOAC.5


Em suma, é fundamental a educação dos utentes sobre as diversas substâncias que podem interagir com os ACO. Estes deverão ser aconselhados a não tomar produtos fitoterápicos sem antes discutir a sua segurança com o médico ou farmacêutico.3 Em muitos casos, por falta de estudos e informações robustas sobre o risco potencial de interações, deverá existir uma precaução e vigilância adicional durante a toma destes produtos,3,4 especialmente em indivíduos polimedicados e/ou com fatores de risco para hemorragia.4



Referencias bibliográficas:

1. Di Minno A, Frigerio B, Spadarella G, Ravani A, Sansaro D, Amato M, Kitzmiller JP, Pepi M, Tremoli E, Baldassarre D. Old and new oral anticoagulants: Food, herbal medicines and drug interactions. Blood Rev. 2017 Jul;31(4):193-203. doi: 10.1016/j.blre.2017.02.001.

2. Vranckx P, Valgimigli M, Heidbuchel H. The Significance of Drug-Drug and Drug-Food Interactions of Oral Anticoagulation. Arrhythm Electrophysiol Rev. 2018 Mar;7(1):55-61. doi: 10.15420/aer.2017.50.1.

3. Talasaz AH, McGonagle B, HajiQasemi M, Ghelichkhan ZA, Sadeghipour P, Rashedi S, Cuker A, Lech T, Goldhaber SZ, Jennings DL, Piazza G, Bikdeli B. Pharmacokinetic and Pharmacodynamic Interactions between Food or Herbal Products and Oral Anticoagulants: Evidence Review, Practical Recommendations, and Knowledge Gaps. Semin Thromb Hemost. 2024 Sep 17. doi: 10.1055/s-0044-1790258. 

4.  Sánchez-Fuentes A, Rivera-Caravaca JM, López-Gálvez R, Marín F, Roldán V. Non-vitamin K Antagonist Oral Anticoagulants and Drug-Food Interactions: Implications for Clinical Practice and Potential Role of Probiotics and Prebiotics. Front Cardiovasc Med. 2022 Jan 17;8:787235. doi: 10.3389/fcvm.2021.787235.

5. Grześk G, Rogowicz D, Wołowiec Ł, Ratajczak A, Gilewski W, Chudzińska M, Sinkiewicz A, Banach J. The Clinical Significance of Drug-Food Interactions of Direct Oral Anticoagulants. Int J Mol Sci. 2021 Aug 8;22(16):8531. doi: 10.3390/ijms22168531. 

6. Steffel J, Collins R, Antz M, Cornu P, Desteghe L, Haeusler KG, Oldgren J, Reinecke H, Roldan-Schilling V, Rowell N, Sinnaeve P, Vanassche T, Potpara T, Camm AJ, Heidbüchel H; External reviewers. 2021 European Heart Rhythm Association Practical Guide on the Use of Non-Vitamin K Antagonist Oral Anticoagulants in Patients with Atrial Fibrillation. Europace. 2021 Oct 9;23(10):1612-1676. doi: 10.1093/europace/euab065.